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Como cuidar, preservar e recuperar rios

Publicado em 15/06/2020

Estamos ainda parcialmente influenciados pela cultura de que os rios eram os locais de descartes. Mesmo que os rios logo levem o que jogamos, o mar será o destino final e também não podemos punir os mares com o que não precisamos. As gerações mais novas já vivem a realidade em que os rios merecem respeito e não podem servir à destinação do que não queremos mais. Não dá mais para tolerar que os rios e seus afluentes sirvam de destinação de resíduos descartáveis.

Vamos dar foco apenas nas questões que dependem da ação humana para cuidar, preservar e recuperar rios e seus afluentes, que certamente a natureza fará o restante. O enorme desafio de cuidar, preservar, recuperar rios e seus afluentes, requer múltiplas ações de todos. Quando se diz todos, quer dizer toda a comunidade pública e privada, com olhar e atuação em toda a bacia hidrográfica.

“Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.” (BOFF, 2004, p. 33).

“A água é um “bem finito e vulnerável”, sendo necessário se adotar medidas para a sua conservação e preservação”. (Lei n. 9.433/1997, Brasil, 1999).

O cuidado com as águas dos rios, para conservá-las em uma condição adequada para a sustentabilidade da vida e para os diversos usos, envolve uma abordagem sistêmica e um conjunto de condutas nos ambientes públicos e privados, sendo necessário que cada pessoa se conscientize de sua corresponsabilidade e coopere no que estiver ao seu alcance, seja em sua moradia ou fora dela.

CONSUMO CONSCIENTE: Deve-se evitar o desperdício, e sempre que possível e com os devidos cuidados, reutilizá-la. Por exemplo: pode-se tratar a água com cloro para certos usos e reutilizá-la, como no caso da água da pia para descarga de vaso sanitário, da água da máquina de lavar roupa ou tanque para lavar a calçada, etc. Preparar captação, reservatório para reuso de água de chuva.

DESTINAÇÃO E TRATAMENTO DE EFLUENTES: São fundamentais no cuidado com as águas. É necessário instalar rede de esgoto nas construções públicas e privadas, bem como realizar tratamento de efluentes, atendendo à legislação vigente e aos requisitos para o cuidado sistêmico com o meio ambiente. Além disso, é necessário que todo esgoto, seja doméstico, industrial, comercial ou outro, seja sempre destinado à rede de esgotos, nunca à rede de águas pluviais, rios e outros cursos d’água e solos. Para as regiões onde o sistema de esgoto ainda não atende, devem implantar fossas e sumidouros, dentro dos padrões recomendados para evitar chegar aos cursos de águas.
Saneamento é saúde. A falta do saneamento causa várias doenças e inúmeras internações. Cidades com índices melhores de saneamento tem incidência menor de doenças. Precisa haver um esforço concentrado de todos nós para viabilizar a cobertura de 100% dos usuários no saneamento, no curto prazo.

DEJETOS RURAIS: Efluentes pecuários também causam poluição das águas superficiais e subterrâneas. Os dejetos devem ser destinados corretamente, preferencialmente para adubação ou geração de energia.
A proteína animal é fundamental para suprir as necessidades humanas, e com sabedoria e cuidados, podemos minimizar os efeitos colaterais desta criação, com a correta destinação dos dejetos.

RESÍDUOS DA AGRICULTURA: Efluentes agrícolas podem conter produtos químicos como fertilizantes (ricos em nitritos e nitratos), pesticidas, que degradam a qualidade das águas superficiais, incluindo-se as dos rios, quando neles são despejados, além de contaminar águas subterrâneas por infiltração. Recomenda-se o uso moderado e com os devidos cuidados para não serem carreados aos cursos de águas.
A produção agrícola, bem administrada, com a correta análise e correção do solo, viabiliza alto desempenho com baixo efeito colateral ambiental.

RESÍDUOS SÓLIDOS: Destinação e tratamento adequados de resíduos sólidos, genericamente denominados de lixo, ou seja, materiais sólidos gerados por atividade humana e considerados inúteis, descartáveis e elimináveis na condição em que se encontram, são necessários no cuidado com as águas. Tudo que possível, recomenda-se a reciclagem e os contaminados devem seguir para os aterros legalizados, controlados.
Os resíduos sólidos causam danos desde o seu incorreto descarte e alguns por centenas de anos. Estes materiais entopem as bocas de lobos, contaminam os córregos, rios e mares, além de muitas vezes afetarem animais que os confundem com alimentos.

MATA CILIAR: Também denominada de vegetação ribeirinha, é a formação vegetal nativa que se encontra em margens de rios, riachos, lagos, córregos, represas e nascentes. De acordo com a Agência Nacional de Águas: “O equilíbrio hidrológico é mantido pelas matas ciliares por meio da estabilização das ribanceiras do rio pelo emaranhado de raízes, do controle do aporte de nutrientes e de produtos químicos aos cursos d’água, do controle da alteração da temperatura no ecossistema aquático e da formação de barreiras para o carreamento de sedimentos para os cursos d’água, evitando o seu assoreamento. Além disso, as matas ciliares são fundamentais para proporcionar alimentação para os peixes e outros organismos vivos aquáticos. As florestas amenizam ainda os efeitos das enchentes e impedem a erosão de terrenos montanhosos, prevenindo a queda de barreiras.” (ANA, 2012, p. 90).

Podemos criar mecanismos de conscientização, indenização, remuneração aos proprietários de terras nas margens dos rios, córregos em toda a bacia hidrográfica, de forma que a mata ciliar seja implantada ou preservada adequadamente. Não é adequado permitir que a criação dos animais chegue até as margens dos rios, pois isto compete com a formação, manutenção da mata ciliar, mas quando realmente necessário, deve ser feito acesso via corredor cercado. A implantação ou permanência da mata ciliar é um desafio de todos nós, em prol da manutenção dos rios e seus afluentes.

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE: APP é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Todas as matas nativas contribuem para as águas. Sempre que possível e dentro das regras vigentes, devemos manter, cercar, cuidar das matas nativas nas áreas de APPs.

NASCENTES, olhos d’água ou minas d’água podem ser definidas como afloramentos de lençóis freáticos subterrâneos e que podem dar origem à cursos d’água, e são formadas quando os aquíferos atingem a superfície e fazem com que a água jorre na superfície do solo. Possuem grande importância para qualquer propriedade, já que abastecem açudes e represas, auxiliam na irrigação das lavouras, aos animais, e também na utilização para as necessidades humanas.
Manter uma faixa generosa de mata nativa no entorno da nascente, cercar para impedir acesso de bovinos, já é grande contribuição para preservar nascentes. Dependendo do uso da água, pode-se tratar as nascentes, de forma natural, para viabilizar ainda maior qualidade da água.

BACIA DE CONTRIBUIÇÃO DO RIO: Bacia hidrográfica ou bacia de drenagem é a extensão ou superfície de escoamento de um rio central e seus afluentes. As áreas aplanadas de uma bacia hidrográfica desempenham um papel ecológico essencial na gestão dos alagamentos, regulando às jusantes e enchentes do rio central.

EXEMPLO DE NOVA YORK: Grandes centros urbanos e água de qualidade em quantidades suficientes para todos, nem sempre é uma combinação possível, especialmente num planeta em que a escassez hídrica atingiu 35% da população mundial em 2005. Mas na cidade de Nova York, a água que chega às torneiras de 9 milhões de pessoas tem origem em fontes superficiais, dispensa tratamento e recebe apenas cloro e flúor antes de ser distribuída. Tema fascinante para geógrafos, ambientalistas e gestores públicos, o sistema de abastecimento do estado de Nova York prova que empresas, sociedades e governos podem prosperar ao investir na natureza. A estratégia de conservação dos mananciais economizou muito dinheiro ao Estado e a sociedade. O modelo descentralizado de gestão hídrica ganhou força a partir de 1990, quando a cidade precisou reavaliar sua estratégia de abastecimento público, diante das pressões estaduais, federais, dos consumidores, por padrões mais rígidos de qualidade de suas águas de abastecimento público.

Foi desenvolvido um conjunto de regulamentos restringindo o desenvolvimento de atividades agrícolas e de uso e ocupação do solo nas bacias hidrográficas da região, visando à conservação dos mananciais. Com os mananciais conservados, a cidade de Nova York manteria a liberação de filtração de suas águas superficiais, já que o ecossistema realizaria o trabalho de purificação da água.
A cidade precisou enfrentar seu dilema de abastecimento de águas e fazer a escolha estratégica que parecia a mais improvável. Ao invés se ir cada vez mais longe para captar água de qualidade na quantidade necessária, optou por investir fortemente na recuperação e depois na manutenção de toda bacia hidrográfica. No que se refere à impressionante estrutura física, a rede de abastecimento de Nova York é hoje constituída por três lagos controlados e 19 reservatórios distribuídos em mais de 5 mil quilômetros quadrados, que fornecem cerca de 5 bilhões de litros de água por dia para a cidade e condados vizinhos. Realizaram um amplo acordo de pagamentos por serviços ambientais, assistência técnica para o manejo seguro das atividades produtivas realizadas na bacia hidrográfica e um programa de compra de terras e de compensações por servidão. Os fazendeiros ribeirinhos foram nomeados “guardiões da água”, e assim todos ganharam.

CONCLUSÃO: Os rios, ou cursos fluviais, sempre foram, e são até hoje, um dos mais importantes recursos para a sobrevivência da humanidade. São eles que nos fornecem grande parte da água que consumimos, que usamos para produzir nossos alimentos, de que necessitamos para nossa higiene e que utilizamos para irrigar o solo das áreas agrícolas, para gerar energia, entre outros usos.

Com toda esta importância, aumenta a nossa responsabilidade nos cuidados e recuperação dos rios e seus afluentes, para o nosso bem e das gerações vindouras. Não tem como apenas apontar para outros, sem assumir para si também esta relevante missão. Toda a comunidade, sem exceção, deve atuar em prol de toda a extensão do rio. Com um bom planejamento, envolvimento, ação e recursos alocados nos lugares corretos, certamente é viável cuidar, preservar, recuperar os rios. Cada comunidade deve se preocupar e agir de forma articulada para termos rios saudáveis e perenes. Vale a pena trabalhar neste desafio.

Woimer José Back
Conselheiro do Comitê de Bacia do Rio Tubarão e Complexo Lagunar.
Vice-presidente da Associação dos Produtores de Energia de Santa Catarina-
APESC.

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